domingo, 8 de julho de 2018

Galt Vestibulares: de Samambaia para os EUA, disseminando educação Pela primeira vez, um projeto da capital federal foi selecionado em programa de liderança juvenil do governo dos EUA voltado para 36 países da América Latina e do Caribe. Ex-aluno da rede pública, Rubenilson Cerqueira (foto), idealizador do cursinho gratuito para alunos de baixa renda pretende usar a oportunidade para encontrar meios de expandir a iniciativa, que atende 480 alunos por ano em Brasília, para o restante do país

Pela primeira vez, um projeto da capital federal foi selecionado em programa de liderança juvenil do governo dos EUA voltado para 36 países da América Latina e do Caribe. Ex-aluno da rede pública, Rubenilson Cerqueira (foto), idealizador do Galt Vestibulares, cursinho gratuito para alunos de baixa renda, pretende usar a oportunidade para encontrar meios de expandir a iniciativa, que atende 480 alunos por ano em Brasília, para o restante do país

Se Rubenilson Cerqueira, 28 anos, tem uma certeza na vida é de que a educação é plataforma de transformação de realidades e futuros. Idealizador do Galt Vestibulares, cursinho gratuito para seleções de acesso ao ensino superior direcionado a estudantes de baixa renda do DF, ele tem conseguido frutos muito positivos. A iniciativa começou há três anos e, hoje, reúne 110 voluntários (entre professores, psicólogos, administradores e diretores), atendendo a 480 alunos por ano na capital federal. Há três anos, o doutorando em estudos comparativos em educação pela Universidade de Brasília (UnB) dedica a maior parte do tempo ao cursinho. O esforço tem valido a pena: dos 240 alunos semestrais do Galt, 60% são aprovados em processos seletivos da UnB e de outras instituições de ensino superior. Rubenilson fez do empreendedorismo social resposta para as defasagens da educação básica pública, enfrentadas especialmente por quem vive em situação de vulnerabilidade  — dentro e fora do DF.

Há jovens do Entorno, da Bahia e de Minas Gerais que vieram morar na capital federal para estudar no cursinho e, hoje, compõem o quadro de alunos de cursos como medicina e engenharia de universidades federais. Agora, o trabalho também será conhecido internacionalmente: Rubenilson é o único representante de Brasília, selecionado entre candidatos do Brasil e de outros 35 países da América Latina e do Caribe, na edição de 2018 do Jovens Líderes das Américas (Young Leaders of the Americas Initiative, Ylai, em inglês), programa do governo norte-americano de capacitação em empreendedorismo. Ele, que é professor de geopolítica no Galt, foi semifinalista da seleção nas edições de 2016 e 2017 e não poderia estar mais satisfeito por ter conseguido a vaga em 2018. Em três edições, o Ylai contemplou 62 brasileiros. Esta é a primeira vez que alguém da capital federal se classifica na seleção. “Representar o DF em um programa internacional é uma honra, já que tem muita gente boa e capacitada participando”, comemora.

“A cultura do concurso público é muito forte em Brasília, então, conseguir um reconhecimento por causa do empreendedorismo social é uma quebra de paradigmas”, diz. Também é uma recompensa pessoal. “É uma realização para mim porque fui aluno de escola pública, em Samambaia, e sinto que estou representando todos os estudantes do ensino público que não tiveram recursos nem educação de qualidade. Quero mostrar que todos são capazes de alcançar seus sonhos, independentemente de história de vida, região onde moram ou condição financeira”, declara ele, filho de um pintor de automóveis e de uma auxiliar de serviços gerais. 

Graduado em relações internacionais pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e mestre em desenvolvimento, sociedade e cooperação internacional pela UnB, Rubenilson concluiu a educação básica no Centro de Ensino Médio (CEM) 304 de Samambaia Sul. O idealizador do Galt embarca em setembro para os EUA para viver uma jornada de ensino, trabalho e possibilidades de conseguir investimento. Serão 45 dias em solo norte-americano, participando de palestras, tutorias e colaborações para aprimorar os projetos e trocar experiências.

As expectativas de Rubenilson para a viagem são as melhores possíveis. “Não vamos só estudar, vamos ter um tutor que nos ajudará a mostrar o projeto para outras pessoas, não só para conseguir investimento, mas também para promover novas práticas, tornar o projeto mais escalável e replicável”, pontua. Uma competição fechará o programa, e o vencedor ganhará investimento no modelo de negócio.

Plano de expansão
Para expandir a abrangência geográfica do cursinho, a ideia de Rubenilson é utilizar a via digital. “Queremos nos tornar referência em cursinho popular e replicar o formato em outros lugares do país. Esse é o carro-chefe da nossa ida aos EUA”, revela. Durante o programa, o empreendedor social espera conhecer boas práticas nesse sentido. O Galt já serviu de inspiração para criação de outros cursinhos populares, como o INY Vestibulares, em Mato Grosso do Sul. “Estamos disseminando conhecimento no país”, destaca. Rubenilson também tem planos fora do mundo digital: captar recursos para investir no aluguel de uma sede própria do Galt no DF. “Nosso espaço atual é fruto de parceria com a Secretaria de Educação e o UDF, que cede salas para nós. Somos muito gratos pelo espaço, mas sabemos que temos de nos limitar às regras das instituições em que estamos. O desejo agora é de ter uma sede para ampliar o espaço e o número de pessoas que alcançamos”, pontua.

Saiba mais
Acompanhe o site ylai.state.gov para saber das próximas edições da seleção
Outros cursinhos comunitários no DF
Vestibular Cidadão: www.vestibularcidadao.com
Jovem de Expressão: jovemdeexpressao.com.br
Rede Empancipa: redeemancipa.org.br
Bora Vencer: www.crianca.df.gov.br

Participe
Quer estudar?
As inscrições para a primeira etapa do cursinho preparatório Galt estão abertas pelo site galtvestibulares.com.br até 17 de julho. Taxa: R$ 10. Quem pode participar: aluno ou ex-aluno de escola pública ou particular com bolsa integral.

Quer ser voluntário?
O cursinho recruta alunos de graduação ou graduados na área em que deseja atuar, que devem passar por um processo seletivo aberto de acordo com a demanda. Os voluntários não são remunerados. Acompanhe pelo site galtvestibulares.com.br.

Histórico
Empreender, mas socialmente

Arquivo pessoal


Em dezembro de 2014, Rubenilson teve a ideia de criar um cursinho comunitário e chamou três amigos — Priscilla Dalledonne, Victor Esteves e Rodrigo Proença — para ajudar. O grupo decidiu criar um preparatório popular baseado em voluntariado. Na época, Rubenilson participou do Brasília sem Fronteiras, programa do Governo de Brasília, que lhe deu a chance de viajar aos EUA. Lá, aprendeu sobre empreendedorismo social e gestão de voluntariado. A primeira turma do Galt começou a ter aulas em fevereiro de 2015. “O diretor do Centro Educacional Gisno cedeu uma sala de aula. Começamos no turno noturno, com 35 alunos, e tivemos um índice de aprovação muito alto”, conta Rubenilson. Na segunda turma, no fim de 2015, dos 80 alunos, 60% foram aprovados. “Foi nessa leva que tivemos o primeiro aprovado de medicina.”

Os estudantes não pagam nada, a não ser uma taxa simbólica de R$ 10 para impressão e aplicação das provas da primeira etapa de seleção. “A prova aborda conhecimentos do ensino médio. Aqueles que se saírem bem no exame serão entrevistados”, descreve Rubenilson. Atualmente, as aulas ocorrem em salas cedidas no UDF e no Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (Eape), da Secretaria de Educação. O Galt disponibiliza ainda reforço no contraturno escolar, atendimento psicológico, orientação profissional, educacional e de saúde mental, além de aulas de desenho técnico para aqueles que querem ingressar em graduações que exigem prova de habilidades específicas, como artes e arquitetura. 

Experiências diferenciadas
Pessoas de diversos perfis passaram pelo Galt

Minervino Junior/CB/D.A Press


De aluna a voluntária
Eduarda Braga, 20, é exemplo de que a visão do Galt fica marcada nos participantes. A estudante do 5º semestre da licenciatura em ciências biológicas da UnB conheceu o preparatório em 2015. Eduarda participou da segunda turma do Galt e, no primeiro semestre de 2016, se tornou universitária. “O cursinho me ajudou não apenas academicamente. O projeto me apoiou emocionalmente, na parte da autoconfiança”, diz. “A experiência me mostrou que, apesar da defasagem do ensino público e dos problemas sociais ao meu redor, eu podia alcançar meu desejo, que, na época, era a UnB. A certeza de que sou capaz é algo que o Galt instalou em mim e continua até hoje”, afirma. A gratidão da estudante é materializada no trabalho voluntário: atualmente, Eduarda é monitora de biologia no Galt. “Aqui, temos ligação diferente com os alunos, e essa foi uma ótima forma de começar minha vida profissional”, aponta. “Cada vitória do Galt é uma vitória minha, ver o projeto crescer é gratificante. No meu semestre, eram duas turmas de 40 alunos. Atualmente, são duas turmas à tarde, duas à noite e uma pela manhã. Esse processo de expansão não é sobre ganhar dinheiro (até porque não ganhamos), é com o objetivo de alcançar o maior número de alunos para continuar espalhando o conhecimento”, explica.

Arquivo Pessoal


Fruto do apadrinhamento
Camila Cruz, 21, morava em Ceilândia, tinha estudado em três preparatórios com bolsa quando conheceu o Galt, em 2016, e viu nele a possibilidade de conquistar uma vaga no ensino superior público. Além do atendimento psicológico e da orientação profissional, o apadrinhamento foi a principal ferramenta responsável pela aprovação no curso de ciências sociais na Universidade Federal de Goiás (UFG), seis meses depois de ter começado a estudar no Galt. A instituição tem tutoria e cada aluno deve escolher um voluntário como “padrinho”, alguém para acompanhá-lo de perto. “Escolhi a Bianca Guimarães, que era estudante de história. Ela pediu meus horários, a hora em que eu chegava e saía da escola, quando descansava, e fez uma planilha com todas essas atividades conciliadas com o estudo”, relata. “Aí eu me senti muito segura, vi que dava tempo de fazer tudo. Isso me ajudou muito”, descreve. A brasiliense estuda no câmpus Catalão da UFG e afirma que o cursinho a inspirou a lutar por ações que igualem as oportunidades para todos, por isso, integra um coletivo negro (foto) e um projeto de extensão que luta por ações afirmativas.

Minervino Junior/CB/D.A Press


Além da universidade
David Nunes, 20, foi o primeiro aluno do Galt a ingressar num curso de medicina. Atualmente cursando o quinto semestre da graduação na UnB, ele estava no 2º ano do ensino médio quando foi selecionado para uma viagem do programa Brasília sem Fronteiras, nos Estados Unidos. “Lá, fiz contatos com professores americanos e, no fim de 2014, uma professora de lá me contatou e me falou sobre o Galt”, relembra. “O que me chamou a atenção foi o ambiente familiar do cursinho. Todo mundo sai se sentindo parte da família”, pontua, ele que é afilhado de Rubenilson no projeto. O acompanhamento psicológico também foi importante. “Eu estudava pela manhã no CEM Setor Leste; à tarde, ia para aulas de francês no Centro Interescolar de Línguas (CIL); à noite, frequentava o Galt, para depois voltar para casa, no Riacho Fundo I”, relata. “Foi um ano incrível e horrível ao mesmo tempo, parecia que não ia passar e o atendimento psicológico me ajudou”, destaca. “Ser o primeiro do Galt a ingressar em medicina é uma forma de mostrar à comunidade que é possível passar num curso desses mesmo vindo de escola pública e tendo condições financeiras desfavoráveis”, diz. Hoje, David tem planos de retribuir ao Galt o que recebeu. “Já fui voluntário na parte de RH e tenho intenção de voltar como professor.”

Arquivo Pessoal


Referência para família
Piauiense de 21 anos, Bárbara Ataíde deixou o Piauí em 2010 com a mãe e os irmãos para buscar uma vida melhor. Na época, a jovem veio cursar o 8º ano do ensino fundamental em São Sebastião e, após concluir o ensino médio, a mãe deu o ultimato: ou ela ingressava no ensino superior ou começaria a trabalhar. “Eu não podia pagar cursinho, mas o ensino superior era meu sonho. Eu estava nervosa porque era do meu futuro que estávamos falando, então, vi um anúncio do Galt no Facebook e era tudo o que eu precisava”, recorda. Bárbara estudou por dois semestres no Galt, até passar em engenharia de controle e automação na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) pelo Enem.
“Os professores nos dão atenção e a troca que temos com eles é incrível, nos identificamos, a história deles é parecida com a nossa. Não é um contato frio de um cursinho normal. O voluntariado deles também é inspirador”, conta. Há dois semestres morando em Minas Gerais, Bárbara quer deixar uma marca e inspirar os caçulas. “Estar no ensino superior é um exemplo para meus dois irmãos. Passar na federal é incentivá-los a irem para a faculdade e trabalharem por um futuro melhor”, conclui.

Marcelo Spatafora/Divulgação


Palavra de especialista
Um caminho solidário possível
“Empreender socialmente é algo novo no país e até no mundo. Há vários desafios para quem quer empreender socialmente: é muito burocrático e, no começo, é difícil conseguir investidores, já que a cultura desse tipo de negócio não é tão forte no Brasil. Quem quer seguir no ramo precisa conhecer bem seu campo de atuação e pode procurar ajuda de aceleradoras, incubadoras, programas de mentoria e capacitação oferecidos por instituições como Porto Social, CIVI-CO e a VV Education — da qual sou cofundadora. O Brasil é uma mina de ouro para empreendedorismo social. Há vários problemas urgentes para solucionar, em áreas como educação, saneamento básico e pobreza. Muita gente quer empreender e ter o próprio negócio, e a nossa intenção é mostrar que é possível desenvolver uma empresa com foco em uma causa, algo que impacte as pessoas no Brasil, em nível estadual, nacional e até global.”

Mariana Serra, cocriadora da Volunteer Vacations (VV), primeira agência especializada em férias voluntárias do país, e da VV Education, programa de mentoria. Ela apareceu na lista dos 30 jovens mais promissores do Brasil antes dos 30 anos da revista Forbes em 2016 por causa da atuação como empreendedora social

Três perguntas para

Marcio Zeppelini, presidente da Rede Filantropia, empreendedor social e palestrante sobre captação de recursos e sustentabilidade, acumula 20 de anos de experiência em terceiro setor

O que diferencia um empreendimento social?

O empreendimento social tem foco em atender alguma causa, seja diretamente, com criação de empresas destinadas a se envolver no tema proposta, seja indiretamente, por exemplo, uma empresa que reverta parte dos lucros para isso. Esses empreendimentos são conhecidos como “empresas dois e meio” ou “empresas b” por ser localizadas entre os tipos organizações do primeiro setor (governo), segundo setor (empresas com fins lucrativos) e do terceiro setor (organizações sociais). Ou seja, o empreendedorismo social não é nem uma empresa que tem somente o viés do lucro nem um ONG que só tem intuito social.

Empreender socialmente quer dizer não visar lucro?
Não! Há duas formas principais de empreender socialmente. No primeiro caso, uma empresa pode ter em seu contrato social uma cláusula que determina a destinação de parte dos lucros a alguma causa ou uma organização social. Por exemplo, os sócios embolsam 25% dos rendimentos, 25% ficam no caixa e 50% são destinados a projetos que cuidam do meio ambiente. A outra possibilidade é que você abra uma organização social que cria ações que fortaleçam assistidos ou que promova empreendimentos que gerem lucros para serem distribuídos para os assistidos.

Qual é a relevância desse tipo de empreendedorismo para um país em desenvolvimento como o Brasil?

Empreendedorismo social não é algo novo nem algo que exista há muito tempo. Uma vez que o ser humano está pensando de forma um pouco menos egoísta e mais ampla, percebendo que a sociedade é importante e deve estar envolvida no seu sucesso — já que ele não vem sozinho —, começou a criar iniciativas em que se prioriza o lado social, a sociedade. As empresas dois e meio mudarão o futuro. Elas são uma forma mais fácil e desburocratizada de fazer distribuição de renda e oportunidades, de forma que o abismo social diminua. Esse é um futuro de sustentabilidade econômica não só para o Brasil, mas também para outros países.

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