São dois anos que valem por uma vida. Uma nova vida, no caso
de Adeílson Mota de Carvalho, 39 anos. Daquele 22 de agosto de 2013, em que
encontrou o estudante Felipe Dourado, na Rodoferroviária, para hoje, resta a
experiência a não ser esquecida. O então morador de rua, imerso no crack,
tornou-se marceneiro com agenda cheia. Trabalha por conta própria, no galpão de
casa, e se desdobra para entregar as encomendas no prazo. Casou-se, construiu
patrimônio e tem nos três meses em que viveu ao relento uma etapa para
conquistar tudo isso.
Leia mais notícias em Cidades
A comparação do antes com o depois é inevitável. “A vida
mudou completamente. Está melhor até mesmo do que antes de eu usar droga”,
afirma. Ele se casou há oito meses, comprou um lote e planeja construir a casa
própria, em São Sebastião. “Depois de julho, eu começo a obra”, estima. O
projeto de montar a marcenaria na clínica de recuperação onde se tratou não
vingou. “Sabe que quando entra dinheiro na história tudo muda?”, comenta.
Quando ainda estava em tratamento na instituição, a ideia era levar adiante a
oficina de marcenaria para ajudar a profissionalizar os internos. “Não deu
certo. Acho que não era para ser”, lamenta.
Não foi como esperado, mas funcionou de outra forma. Passada
a comoção nacional, apagados os holofotes e flashes, ele retomou a profissão
exercida desde os 9 anos. “O dinheiro que ganhei com o Agora ou Nunca (quadro
do programa Caldeirão do Huck, da TV Globo), eu dei para a minha mãe”, conta. A
primeira pessoa que lhe confiou serviço foi um morador do Lago Norte. “O
cliente ligou para mim e pediu para eu fazer todos os armários da casa dele.
Cheguei lá, medi tudo, e ele me perguntou como eu fazia para me locomover.
Respondi que era de ônibus. Ele me deu uma moto, parada havia um ano, para eu
ir até os clientes. Nunca esqueci esse gesto dele”, afirma Adeílson.
Confiança
Sentir-se creditado após anos de desconfiança é conquista
pessoal que dinheiro nenhum pagaria. “Quando eu estava na rua, sofri muito
preconceito. Vi pessoas mudando de lado da calçada por medo de que eu as
assaltasse. Não ia fazer nada, só pensava na droga, mas não tinha como elas
saberem disso.” A rejeição calou fundo. “Aquilo me doía muito, eu não era
bandido”, explica. Foram anos como dependente químico. “Foram seis em idas e
vindas, mas o último eu vivi em função da pedra”, reconhece. Nesse período,
perdeu amigos e empregos. “Aprendi a marcenaria com o pastor da igreja da minha
mãe.
A vinda de Redenção, no Pará, para a capital federal não foi
planejada. “Eu fugi para Brasília por desespero. Eu não conseguia ficar sem
droga, e a minha mãe sofria ao me ver naquele estado”, lembra. Percorreu o
Setor Comercial Sul, a Rodoviária do Plano Piloto, a Rodoferroviária. “As
pessoas que estão ali ficam em estado animal. Deixam de se sentir gente. Vi
pessoas se matando por causa de isqueiro, de R$ 10. Presenciei dois crimes no
Setor Comercial Sul”, recorda-se.
O que viveu serve de referência. “Para me
lembrar de onde vim e para onde não quero voltar. Lembrar esse tempo me
motiva”, garante. Para evitar as recaídas, há de se ter força de vontade.
“Antes, a minha alegria era a droga. Passei, então, a buscar outras coisas que
podem fazer isso”, detalha. Para ele, há sentido nos percalços pelos quais
passou. “Eram para eu conquistar o que